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O Turismo de Amanhã
Por Jean-Claude Razel

A pandemia começou a mostrar seu poder
transformador: confinados, descobrimos nosso cônjuge, nossos filhos, o trabalho
de casa, a leitura, a jardinagem… O vírus está esculpindo o humano do amanhã e,
esperançoso inveterado, aposto que será para melhor. Com mudança dos
comportamentos, os vários segmentos terão que adaptar-se. Alimentação,
educação, trabalho vão mudar profundamente. Um segmento que deverá passar por
uma reformulação total é o do turismo. Vamos analisar o turismo de ontem para
depois iniciar a reflexão sobre o turismo de amanhã.
O turismo
de ontem
O turismo é um campeão do mundo de ontem. 15% dos
empregos diretos e incontáveis indiretos, 7% do PIB mundial. Essencial para
várias indústrias como por exemplo a aeronáutica… Na Grécia, 15% do PIB é turismo,
no Egito a primeira atividade econômica do país é o turismo. Inicialmente
reservado à aristocratas europeus, o turismo se massificou e se especializou:
turismo de massa, turismo religioso, turismo de eventos, turismo de negócio,
turismo de experiência (natureza, aventura, gastronomia…), turismo de luxo,
cruzeiro… Acredite se quiser, 1,5 bilhões de seres humanos praticaram uma
forma de turismo internacional em 2019. Visto por esses números, o turismo de
ontem mostrava uma saúde que parecia inabalável.
Não é tão
simples assim. As capitais mais turísticas do mundo estavam sofrendo do que foi
chamado de “over turism”, com a população local mostrando sinais
claros de exasperação. No auge da crise de migrantes na Europa durante o verão
de 2018, apareceram faixas nas ruas de Barcelona: “Migrantes si, Turistas No!”.
Quer sinal mais claro do que algo não estava satisfatório?
A mesma
coisa para os habitantes e para os turistas nos locais ícones do turismo
mundial: Veneza, Taj Mahal, Quéops, Machu Picchu, Torre Eiffel… Os habitantes
se sentem expulsos das suas cidades com dia-a-dia infernal e custo de vida
inacessível. E os turistas reclamam que a experiência foi estragada pela
muvuca. Como conectar-se com o sagrado da catedral Notre Dame após três horas
de fila e berros de turistas e dos guias? Sem chance, a multidão é sempre
barulhenta. Para piorar, a campanha iniciada na Suécia de “Flight shame”
(vergonha de voar de avião) ganhou relevância com a necessidade de reduzir o
impacto carbono do turismo e participar no combate ao aquecimento global. Cada
vez mais turistas preferem não voar para viajar.
A
caricatura do turismo de ontem vem do segmento de mega cruzeiros com até 6 mil
pessoas ao mesmo tempo em mega navios: um impacto carbono muito pesado, um
desperdício obsceno de comida, um impacto diário em cada local de desembarque
(6 mil pessoas desembarcando, inundando praias, restaurantes e lojas de
souvenirs) principalmente para os turistas que não estão no cruzeiro. Nos
destinos, a mina financeira é significativa para alguns, mas inexistente para
outros (hotéis, transporte, …). Para o turista é relativamente barato e para as
operadoras de cruzeiro, uma mina de ouro. Ninguém segura o Sr. Cifrão…
Para
compensar esses abusos, ficou na moda nos últimos anos o turismo da
experiência. O consumidor está atrás de uma experiência única, autêntica. O
turismo de massa, figura de proa do turismo de ontem não consegue oferecer
experiências do gênero. Por isso ajudou ao crescimento de outros tipos de turismo:
natureza, aventura, comunitário, gastronômico. Mas a qualidade da experiência
fica ligada à uma forma de exclusividade e consequentemente limitada a quem
pode pagar. Experiência exclusiva, de natureza, de gastronomia virou sinônimo
de … turismo de luxo. Para o turista padrão, o bolso não aguenta…
E o vírus
chegou…
2020
parecia ser o ano de todos os recordes para o turismo mundial. Mas a festa
parou antes do DJ ligar o som. Em meados de janeiro, um vírus sacana apareceu
na China. Em poucos dias, ficou claro que os mais de 100 milhões de chineses
esperados para viajar no mundo em 2020 não viriam. Duas semanas depois já
circulavam imagens de Veneza vazia, como sonharia qualquer adepto do turismo de
experiência!
A ideia de
que o vírus fosse apenas atingir os chineses durou pouco. No fim de fevereiro,
o turismo mundial entrou em colapso: companhia aéreas, cadeias de hotel,
destinos do mundo inteiro ficaram vazios. No fim de março já são 3,5 bilhões de
seres humanos confinados sem nem pensar em viajar.
Para o
turismo mundial, a rasteira é severa. Foi o primeiro a ser atingido e será o
último a se recuperar: vai demorar para que as pessoas tenham a confiança e a
segurança de se amontoar novamente em filas das diversões da Disney, para subir
na estátua da liberdade ou adentrar a Basílica São Pedro.
Mesmo
assim, empresários do setor já se preparam para retomada total logo que a
pandemia acabar. O líder de mercado de cruzeiros, o Carnival, levantou 12
bilhões de dólares - ou seja, 1 ano de custo fixo! - oferecendo para os
investidores um retorno gordo de 12%. Investidores se precipitaram mostrando a
sua crença na retomada deste segmento muito lucrativo. Esses não têm dúvida que
os turistas (principalmente os idosos que são maioria deste segmento) vão topar
voltar em breve no confinamento de um navio. É mesmo? Se o vírus já mudou
o nosso cotidiano em duas semanas de confinamento, com certeza vai mudar em
profundidade a nossa maneira de viajar no futuro. Como será então o turismo de
amanhã?
O turismo
de amanhã
A chave
para o turismo acontecer ainda não é a qualidade da experiência. A chave é a
segurança. Segurança em todos os aspectos: de que o avião está em boas
condições de voar, de que a sua reserva está confirmada e de que seu ônibus, seu
quarto de hotel, seu guia te aguarda. Segurança de que o seu dinheiro vale o
que você espera, de que o seu cartão de crédito vai funcionar. Que seu
seguro-viagem vai ajudar se acontecer algo imprevisto, que o local visitado é
visitável: aberto, sem risco ambiental, sem risco político (terroristas…) e sem
risco para a sua saúde…
Como
garantir a segurança do turista pós Coronavírus? Como tranquilizar a todos de
que tudo vai voltar ao normal? Para isso, será preciso:
- deixar os procedimentos de aeroportos ainda mais severos. Após o 11
de Setembro, houve piora nos setores de polícia e de vistoria corporal e
de bagagem. O controle vai aumentar na mesma proporção para o lado da
saúde (tomada de temperatura, histórico de saúde, uso de EPI como máscaras
e luvas…).
- entrar em nova era de higienização dos meios de transporte e de
hospedagem. Lacrar cada quarto, cada banheiro e cada poltrona na troca de
cada usuário.
- Controlar acesso a cada destino: cada suspeita de epidemia pode
levar a fechar um local da noite para o dia. Procedimentos de evacuação e
de repatriamento deverão ser muito mais organizados.
De cara,
essas mudanças previsíveis, podem tirar para muitos o desejo de viajar. Ficar
horas em checagens de saúde, ser controlado por apps com o colateral desafio às
liberdades públicas, … Já deu para perceber que o turismo não vai sair ileso
dessas mudanças e que é preciso repensar totalmente o segmento. O que podemos
imaginar:
- As viagens de avião vão diminuir. Ficará tão complicado que
serão utilizadas com menos frequência, apenas para viagens essenciais.
Turismo transoceânico não voltará ao seu normal.
- Turismo de alcance de trem ou de carro aumentará para viagens mais
frequentes e de duração menor.
- Turista vai querer evitar locais de multidão. Com a flexibilização
de trabalho em home office para os pais e vídeo aulas para crianças, os
turistas poderão flexibilizar suas viagens. A própria noção de final de
semana pode perder força e alisar as viagens ao longo da semana. Durante
feriados, destinos podem limitar a quantidade de pessoas admitidas.
- Locais ícones do turismo mundial podem se vender em plataformas
digitais muito elaboradas (3 ou 4D, realidade virtual…) e oferecer visitas
virtuais.
Sonhando
mais alto… podemos pensar que os turistas não vão mais querer correr os quatros
cantos do mundo apenas para tirar uma selfie em frente à Torre Eiffel ou da
Ópera de Sidney, enfrentando todos os riscos inerentes a isso. A tecnologia já
existe para oferecer uma experiência virtual melhor do que as péssimas
experiências "reais" atuais e assim limitando a visita física de
turistas. O meio ambiente, as populações locais agradecem e o caixa dos
destinos também pois essas visitas podem virar fonte significativa de renda. A
visita real continuaria a existir, é claro, mas apenas para um turismo “educativo”
em grupos limitados com propósito: escolas, pesquisadores, arqueólogos,
teólogos, artistas, atletas, biólogos,… Turismo após o CoronaVirus virou pura serendipidade: a capacidade de encontrar coisa
maravilhosas onde não se esperava.
À medida
que o trabalho perde o seu lugar central na sociedade pós-consumo, outras áreas
ocuparão o espaço. O mais desejado é que a educação ocupe um papel central.
Chega de uma vida quando se estuda apenas até os 15, 20 ou 30 anos no máximo!
Estudar é para a vida toda! O turismo pode se tornar um segmento da economia da
educação: viajar não para ticar a lista "dos locais para visitar antes
de morrer", mas sim para aprender como manobrar um barco a vela, fazer
pão, aprimorar a busca espiritual… Nossa época caracteriza-se pelo gigantismo
dos meios e a vacuidade dos fins. Através da educação, o turismo pode voltar a
ser o que nunca deveria ter deixado de ser: um catalisador de aprendizagem
e de sentidos.
Ah! O que
vai acontecer com os barcos de cruzeiro que ficaram sem turistas? O melhor é
acostar para sempre em portos de cidades pobres sem estrutura de saúde e
transformar cada cabine em quarto de hospital. Existe futuro mais nobre
para sala de casino para privilegiados entediados do que transformar-se em
centro cirúrgico para populações desfavorecidas em países pobres? Obrigado
Sr. Corona.
Publicação 05/04/2020